segunda-feira, 28 de março de 2011

Lula não sai da raia



Lula participa de homenagem da comunidade árabe de São Paulo ao seu governo, no Clube Monte LíbanoQuem estiver angustiado na expectativa de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desencarne logo do poder, depois da passagem de oito anos no Palácio do Planalto, é bom tratar de achar alguma sinecura ou outro lugar confortável qualquer para enganar o tempo. Caso contrário, o conselho é encontrar um pedaço menos incômodo de calçada em algum lugar com sombra e água fresca, para esperar sentado.
Fatos políticos esta semana mostraram fartamente a gregos e baianos: Lula, além da retórica espírita, não emite nenhum sinal palpável de que pretenda de fato "desencarnar" do poder ou sair da raia política e do foco dos holofotes tão cedo.
Ao contrário: a efusiva e emblemática participação do ex-ocupante do Palácio do Planalto na festança que a comunidade árabe no Brasil lhe ofereceu no Clube Monte Líbano, em São Paulo, na noite de segunda-feira, 21, escancara para quem quiser ver que o ex-presidente pode estar pensando em muita coisa atualmente, menos em vestir um pijama para descansar no apartamento de São Bernardo com a família, ou, de bermuda e sandália japonesa, pegar uma vara de anzol para ir pescar.
Durante a homenagem no clube árabe da capital paulista, Lula deixou inúmeras pistas - algumas nítidas outras meio submersas - de que não só não quer descansar ou desaparecer por vontade própria do noticiário político, mas que já tem praticamente traçada rota e estratégia de seu próximo voo: tentar arrebatar São Paulo do bico dos tucanos e trazer a mais importante cidade da América Latina para garras e órbita de domínio petistas nas eleições municipais de 2012.
Quem prestou atenção ou não fechou os olhos de propósito (pior para o jornalismo) para fazer de conta que não está vendo ou não está nem aí, testemunhou seguramente que Lula raras vezes esteve tão à vontade quanto no Monte Líbano durante a homenagem dos integrantes legítimos (e aderentes de todo tipo) da comunidade árabe no País.
E não era para menos: cerca de duas mil pessoas disputavam um cumprimento ou um aceno, enquanto centenas aplaudiam de pé, segundo registro do repórter Claudio Leal na esclarecedora reportagem publicada na revista digital Terra Magazine sobre o evento.
A conversa com a colunista da Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo, e as críticas duras de Lula contra dirigentes da ONU ao protestar contra a invasão da Líbia, em lugar de mandar um negociador ao país em tentativa de paz, não é coisa de quem procura repouso tranquilo.
Além do protesto com vários decibéis de volume acima do esperado pelos ouvidos mais delicados dos conhecedores das etiquetas diplomáticas, contra os "exageros" da segurança norte-americana durante a visita de Barack Obama a Brasília (fez revistas humilhantes até em ministros do governo na casa visitada).
É bom não esquecer: Lula compareceu à reluzente e animada recepção oferecida a ele pela comunidade árabe apenas dois dias depois de recusar convite do Palácio do Planalto para o almoço em Brasília com Barack Obama.
Na Capital Federal, domingo passado, quatro ex-ocupantes do palácio provaram do cardápio oferecido pela presidente Dilma Rousseff ao colega norte-americano, incluindo FHC (PSDB), visto e fotografado em conversa aparentemente nada cômoda com o colega e atual presidente do Congresso, José Sarney (PMDB).
E aqui um rápido corte como nas filmagens cinematográficas, antes do ponto final destas linhas.
A memória é parte essencial do texto e da informação jornalística. Aprendi esta lição em meus anos de Jornal do Brasil, trabalhando com o saudoso Juarez Bahia, ex-editor nacional do então imbatível (qualitativamente falando) diário editado no Rio de Janeiro. Mestre dos maiores que conheci da teoria e da prática do jornalismo no Brasil (sete prêmios Esso na bagagem, conquistados com mérito ao longo da brilhante carreira).
Transmito aqui uma lição básica de Juarez Bahia, ministrada com seu jeito sempre doce e gentil, mas firme, de baiano de Feira de Santana, mesmo quando já era um jornalista de renome nacional e cidadão do mundo: "Quanto sentar diante da máquina na redação de um jornal para produzir um texto, escreva sempre como se estivesse falando do assunto pela primeira vez, mesmo que algum "copy" reclame ou considere repetitivo. Pense no leitor que não tenha nenhuma informação ou referência prévia sobre o tema e cuide bem do enfoque, pois isto é que faz toda diferença na comparação dos jornais, em cujas páginas se publicam todos os dias praticamente as mesmas notícias". Grande Bahia!
"A semana que vem tem mais", como dizia o folclórico prefeito de São Francisco do Conde, petrolífera cidade da Região Metropolitana de Salvador, ao anunciar suas obras na TV. A convite do colega Cavaco e Silva, a presidente Dilma Rousseff inicia na próxima terça-feira sua primeira visita oficial a um país europeu depois da posse.
Vai a Portugal, onde participará na quarta-feira com o chefe de Estado português da cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, na Universidade de Coimbra.
Pode até parecer repetitivo, mas, a depender do enfoque, vai dar ainda muito mais o que falar